31 agosto, 2010

Me interna

"Pedi pra mãe – me interna, to infeliz pra caralho.
Tequila, café e cigarros exatamente nessa ordem me preenchiam. Aquela velha história do amigo engarrafado me era completamente aplicável, não havia companhia melhor. Porque eu não desejava conversar, pessoas se preocupam demasiadamente e eu não precisava de especulações, conversas enfadonhas e repetir tudo o que estava acontecendo comigo. Não. Eu não quero falar sobre isso. Isso o quê? Se eu tivesse noção do que era. Acontece que esses dias estão tortuosos e eu não desejo levantar-me daqui, a poltrona já adquiriu o formato do meu quadril e a TV me dá o entretenimento necessário para continuar trancafiada aqui. Sossego é o que eu quero. Desde que ele fora embora eu ouço versos que me falam sobre amores arruinados, o coração já não bate, esquecera completamente o tal do Tum-tum-tum. Será que o coração bate assim? Há algum tempo que não sei como ele reage, porque os dias estão vazios. Sabe toda aquela ideologia de que é possível viver sozinho? Pois é. Acreditava nisso piamente porque ele estava ao meu lado, agora que se foi tudo é cinza. E eu chorei um oceano inteiro essa noite. Eu precisava esvaziar. Porra eu preciso ser internada."
Caio F.

26 agosto, 2010

Luxo





Das fantasias de menina 
aos desejos de mulher, 
dei-me sempre o luxo de sonhar.
Ana Fenner

Exagero


 "Comovo-me em excesso,
por natureza e por ofício.
 Acho medonho alguém viver sem paixões."
Graciliano Ramos

19 agosto, 2010

Ousadia


Acontece que hoje eu estou politicamente incorreta, meio louca, meio cúmplice. Mudo a rota, reinvento o traço. Enfrento qualquer parada, dou a cara à tapa, eu não fico em cima do muro. Eu bato a sua porta, berro aos seus ouvidos, estou curiosa dos limites da sua força, estou querendo saber até quando você vai fingir que não é com você. Minha honestidade te fere, meu jeito desleixado te incomoda, mas você me beija e diz que volta logo. Não suporto esperas, minha ansiedade me consome, eu detesto despedidas. Não sou boa com meias palavras, não sei ser educada o bastante ou santa o suficiente. Eu vou te sussurrar umas tolices, eu vou te roubar pra mim. Vou esquecer o passado recriar o futuro, te pedir um presente. Eu estou querendo saber se sua moral dá conta da minha.
Ana Fenner

Dez cervejas e eu ainda não consigo te perguntar se está tudo certo contigo, ou se é contra a sua moral dançar comigo.E te desejo a coragem, os olhos brilhantes pra ver. Mas percebo que você não é o único a me salvar e expectativas são uma merda.Se há lições a serem aprendidas, prefiro obter palavras atravessadas então.Te direi algo que descobri. Que o mundo é um lugar bem melhor quando de cabeça pra baixo.

Ida Maria

Um novo amenhecer

Um filete de sol entra pela fenda na janela e me atinge em cheio. Simples são todas as coisas que me completam, suave é tudo aquilo que me conquista. É sonho, é sim. É tudo que eu sonhei pra mim. É pedaço de vida, é minha vida sim senhor. É criar asas e descobrir um mundo além do que se tem... do alto da montanha é que se vê o tamanho real de cada coisa. O jardim está repleto de pequenas delicadezas e meu corpo se embala na cadência de um novo alvorecer. Eu não sei ser outra que não esta que te corteja a cada amanhecer.
Ana Fenner
“O mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas, mas que elas vão sempre mudando. Afinam e desafinam. Verdade maior.”     
Guimarães Rosa

À deriva

 Eu estou fazendo um esforço imenso para parecer natural 
e esta na cara que esta tudo, menos natural. 
Eu me lembro de respirar o tempo todo, 
contraditoriamente estou sufocando.
Ana Fenner

18 agosto, 2010

De hoje em diante


Venha em meio ao desproposito, me venha doce, incansável e feroz.  Venha firme, certo e até um pouco inseguro. Seja humano, verdadeiro e egoísta... Queira-me só pra você. Enfrente os fatos, desconsidere os chatos e me tire pra dançar. Compre brigas, desfaça as malas e fique comigo. Confunda suas pernas, as minhas e todos os sentidos. Divida a casa, a cama e o meio termo. Evite a mesmice, a rotina, o certo, me enfeite com estrelas catadas ao vento, que eu quero mais é ser sua menina.  Daqui pra frente você segura minha mão e eu conquisto seu melhor sorriso. Daqui pra frente quero ter borboletas no estômago todos os dias.
Ana Fenner

12 agosto, 2010

Para Maria da Graça

 " Agora, que chegaste à idade avançada de 15 anos, Maria da Graça, eu te dou este livro: Alice no País das Maravilhas. Este livro é doido, Maria. Isto é: o sentido dele está em ti.    
Escuta: se não descobrires um sentido na loucura acabarás louca. Aprende, pois, logo de saída para a grande vida, a ler este livro como um simples manual do sentido evidente de todas as coisas, inclusive as loucas. Aprende isso a teu modo, pois te dou apenas umas poucas chaves entre milhares que abrem as portas da realidade.
A realidade, Maria, é louca.  
Nem o Papa, ninguém no mundo, pode responder sem pestanejar à pergunta que Alice faz à gatinha: "Fala a verdade, Dinah, já comeste um morcego?"
Não te espantes quando o mundo amanhecer irreconhecível. Para melhor ou pior, isso acontece muitas vezes por ano. "Quem sou eu no mundo?" Essa indagação perplexa é o lugar-comum de cada história de gente. Quantas vezes mais decifrares essa charada, tão entranhada em ti mesma como os teus ossos, mais forte ficarás. Não importa qual seja a resposta; o importante é dar ou inventar uma resposta. Ainda que seja mentira.   
A sozinhez (esquece essa palavra que inventei agora sem querer) é inevitável. Foi o que Alice falou no fundo do poço: "Estou tão cansada de estar aqui sozinha!" O importante é que ela conseguiu sair de lá, abrindo a porta. A porta do poço! Só as criaturas humanas (nem mesmo os grandes macacos e os cães amestrados) conseguem abrir uma porta bem fechada, e vice-versa, isto é, fechar uma porta bem aberta.
Somos todos tão bobos, Maria. Praticamos uma ação trivial e temos a presunção petulante de esperar dela grandes conseqüências. Quando Alice comeu o bolo, e não cresceu de tamanho, ficou no maior dos espantos. Apesar de ser isso o que acontece, geralmente, às pessoas que comem bolo.
Maria, há uma sabedoria social ou de bolso; nem toda sabedoria tem de ser grave.
A gente vive errando em relação ao próximo e o jeito é pedir desculpas sete vezes por dia: "Oh, I beg yuor pardon!" Pois viver é falar de corda em casa de enforcado. Por isso te digo, para a tua sabedoria de bolso: se gostas de gato, experimenta o ponto de vista do rato. Foi o que o rato perguntou à Alice: "Gostaria de gatos se fosse eu?"
Os homens vivem apostando corrida, Maria. Nos escritórios, nos negócios, na política, nacional e internacional, nos clubes, nos bares, nas artes, na literatura, até amigos, até irmãos, até marido e mulher, até namorados, todos vivem apostando corrida. São competições tão confusas, tão cheias de truques, tão desnecessárias, tão fingindo que não é, ridículas muitas vezes, por caminhos tão escondidos, que, quando os atletas chegam exaustos a um ponto, costumam perguntar: "A corrida terminou! Mas quem ganhou?" É bobice, Maria da Graça, disputar uma corrida se a gente não irá saber quem venceu. Se tiveres de ir a algum lugar, não te preocupe a vaidade fatigante de ser a primeira a chegar. Se chegares sempre aonde quiseres, ganhaste.
Disse o ratinho: "Minha história é longa e triste!" Ouvirás isso milhares de vezes. Como ouvirás a terrível variante: "Minha vida daria um romance". Ora, como todas as vidas vividas até o fim são longas e tristes, e como todas as vidas dariam romances, pois o romance é só o jeito de contar uma vida, foge, polida mas energicamente, dos homens e das mulheres que suspiram e dizem: "Minha vida daria um romance!" Sobretudo dos homens. Uns chatos irremediáveis, Maria.
Os milagres sempre acontecem na vida de cada um e na vida de todos. Mas, ao contrário do que se pensa, os melhores e mais fundos milagres não acontecem de repente, mas devagar, muito devagar. Quero dizer o seguinte: a palavra depressão cairá de moda mais cedo ou mais tarde. Como talvez seja mais tarde, prepara-te para a visita do monstro, e não te desesperes ao triste pensamento de Alice "Devo estar diminuindo de novo". Em algum lugar há cogumelos que nos fazem crescer novamente.
E escuta esta parábola perfeita: Alice tinha diminuído tanto de tamanho que tomou um camundongo por um hipopótamo. Isso acontece muito, Mariazinha. Mas não sejamos ingênuos, pois o contrário também acontece. E é um outro escritor inglês que nos fala mais ou menos assim: o camundongo que expulsamos ontem passou a ser hoje um terrível rinoceronte. É isso mesmo. A alma de gente é uma máquina complicada que produz durante a vida uma quantidade imensa de camundongos que parecem hipopótamos e de rinocerontes que parecem camundongos. O jeito é rir no caso da primeira confusão e ficar bem disposto para enfrentar o rinoceronte que entrou em nosso domínio disfarçado de camundongo. E como tomar o pequeno por grande e o grande por pequeno é sempre meio cômico, nunca devemos perder o bom humor.
Toda pessoa deve ter três caixas para guardar humor: uma caixa grande para o humor mais ou menos barato que a gente gasta na rua com os outros; uma caixa média para o humor que a gente precisa ter quando está sozinho, para perdoares a ti mesma, para rires de ti mesma; por fim, uma caixinha preciosa, muito escondida, para as grandes ocasiões. Chamamos de grandes ocasiões os momentos perigosos em que estamos cheios de dor ou de vaidade, em que sofremos a tentação de achar que fracassamos ou triunfamos, em que nos sentimos umas drogas ou muito bacanas. Cuidado, Maria, com as grandes ocasiões.
 Por fim, mais uma palavra de bolso: às vezes uma pessoa se abandona de tal forma ao sofrimento, com uma tal complacência, que tem medo de não poder sair de lá. A dor também tem o seu feitiço, e este se vira contra o enfeitiçado. Por isso Alice, depois de ter chorado um lago, pensava: "Agora serei castigada, afogando-me em minhas próprias lágrimas".
Conclusão: a própria dor deve ter a sua medida: é feio, é imodesto, é vão, é perigoso ultrapassar a fronteira de nossa dor, Maria da Graça.
"

Paulo Mendes Campos, Para Maria da Graça, 1979.